Festival Ver e Fazer Filmes - Reinventando a própria tradição

Há três anos, Cataguases incorporava ao calendário de eventos culturais do país o Cineport, festival com a proposta inédita de reunir filmes de países que têm em comum a língua portuguesa. Neste ano, a cidade inova outra vez, criando um evento que foge à regra comum. O Festival Ver e Fazer Filmes abrange as tradicionais sessões de cinema para a população, mas coloca em foco a produção cinematográfica. Durante dez dias, a cidade sedia uma disputa entre três equipes formadas por estudantes de cinema e comunicação, que filmam, simultaneamente, curtas-metragens baseados em contos de Machado de Assis. “Estamos invertendo a lógica convencional e fazendo um festival muito mais de fazer que de ver”, explica a diretora-executiva do festival e presidente da Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho, Mônica Botelho.
Diretor-executivo do festival e gestor cultural do projeto Fábrica do Futuro, César Piva ressalta que o evento tem o propósito de incentivar a criação de um novo mercado de trabalho no município a partir de uma tradição histórica. A idéia, segundo Piva, é fomentar a chamada economia criativa da cultura, induzindo uma cadeia de serviços na cidade na área da produção audiovisual. “A meta principal de todo esse esforço é criar um pólo de criação e produção em Cataguases nos próximos dois anos”, adianta.
Resgate sem nostalgia
O ideal de transformar o cinema em mercado de trabalho é acalentado, ainda, por outras propostas ambiciosas, como a produção de um longa-metragem totalmente rodado em Cataguases a partir da adaptação do livro “Inferno provisório”, de Luiz Ruffato. Segundo Mônica Botelho, o projeto está partindo para a fase de captação de recursos.
Através da busca pela inovação e do investimento pesado em infra-estrutura, a cidade vai atrás do resgate de um passado luminoso, que teve seu auge na década de 1920, com o pioneirismo do cineasta Humberto Mauro, a publicação da revista literária “Verde” e a arquitetura moderna, que se mostra imponente em vários pontos da cidade. O resgate, conforme Mônica, também está imbuído da superação de um determinado sentimento de nostalgia. “Às vezes, grandes fatos do passado podem ser aprisionantes. Superar esse modelo, de certa forma, e apontar para um novo modelo é um grande desafio. Nosso intuito é transformar o passado em impulso para o futuro”, resume.
O resultado desse esforço empreendedor se torna visível no cotidiano da cidade, com a participação da comunidade local no festival. Oferecendo suporte às equipes, estão 250 moradores de Cataguases, capacitados em dez oficinas sobre diferentes especialidades técnicas, oferecidas a partir da parceria com o projeto Fábrica do Futuro. Nesse ponto, talvez, esteja a maior contribuição do festival para o município, uma vez que uma dupla via de oportunidades está sendo aberta. Por um lado, a cidade dispõe de recursos técnicos para que estudantes realizem seus filmes com estrutura profissional. Do mesmo modo, os cidadãos têm condições de colocar em prática e aprimorar o conhecimento que receberam nos cursos. A esteticista Fernanda Menta, por exemplo, conseguiu ser incluída em duas equipes. Na produção de “As chinelas turcas”, é responsável pela maquiagem. Já em “A cartomante”, ela entra em cena como atriz. Participante de três oficinas, a moradora se diz gratificada com a experiência. “Só não fiz mais porque não tive tempo”, comenta.
Disputa com a bênção de veteranos
Para a edição inaugural do evento, foram convidadas equipes, com dez integrantes cada, da Faculdade de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF), de Niterói, da Escola Superior de Teatro e Cinema, situada em Lisboa, Portugal, e da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Como em uma gincana convencional, os grupos foram divididos por cores e são avaliados não só pelo resultado das produções, como também pela organização com que conduzem seus trabalhos. A disputa será definida no sábado, quando os curtas serão exibidos e passarão pelo crivo do júri e do público em 15 categorias.
Longe de estar à deriva nessa empreitada, cada equipe recebe as orientações de um diretor consagrado, convidado pelo festival: o brasileiro Nelson Pereira dos Santos, o português Fernando Vendrell e o angolano Zezé Gamboa. Além disso, os alunos contam com o apoio de um time de profissionais de primeiro escalão em áreas como fotografia, iluminação, maquinaria e som, que prestam apoio a todos os grupos.
No aspecto técnico, a central de produção organizada pelo festival disponibiliza ilha de edição exclusiva para cada equipe, salas de reuniões individuais e todo o equipamento necessário para rodar um filme com qualidade profissional, incluindo gruas e “steady cams” (tipo de câmera que funciona presa ao corpo do cinegrafista). “É uma oportunidade fenomenal, porque a prática se revela um outro mundo. Por mais que se façam filmes na escola, serão sempre filmes escolares, os alunos estarão sempre protegidos”, ressalta o professor da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, Paulo Leite.
(Fonte: Jornal Tribuna de Minas - 09/nov/2008)

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